Publicações

A luta atemporal das mulheres no Direito

Maite Cristiane Schmitt, Advogada e Sócia do Escritório Auro Ruschel Advogados Associados.

Afinal, o que é ser mulher? Para a escritora Simone de Beauvoir, desde o final da década de 60 o questionamento pairava sobre os seus pensamentos em relação à sociedade. Isso porque, ser mulher não é só uma questão biológica, existe todo um contexto histórico e social envolvido. Acima disso, ser mulher é encarar uma realidade dura, de disparidades e de lutas, como no Direito.

Parafraseando Mary Beard, “não se pode, com facilidade, inserir as mulheres numa estrutura que está codificada como masculina; É preciso mudar a estrutura, o que quer dizer pensar no poder de outra maneira […]”. E por qual motivo não pensar que isso pode estar acontecendo, de fato? Basta olhar os números: Em 2021, o site ConJur afirmou que o número de advogadas já é maior que o de advogados no Brasil. Os dados constam no quadro de advocacia mantido pelo Conselho Federal da OAB que mostra números totais e por cada estado.

De acordo com o ConJur, na última atualização, o número de advogadas era de 610.369 e de advogados era de 610.207. A Ordem confirmou ao site que é a primeira vez na história que as mulheres representam a maioria. Sendo assim, se para a escritora Mary Beard é preciso mudar a estrutura, finalmente na contemporaneidade existe certa movimentação. A marca histórica mencionada anteriormente foi alcançada poucos meses depois da aprovação da proposta de paridade de gênero nas eleições da Ordem dos Advogados do Brasil. A medida é de autoria da advogada e conselheira da OAB-GO Valentina Jungmann. 

Valentina e tantas outras mulheres nos últimos anos tiveram os seus caminhos marcados porque lá atrás existiu Myrthes Gomes, um dos nomes mais relevantes da área, sendo considerada a primeira mulher advogada do Brasil. Em seu discurso de abertura dos trabalhos de defesa em 1899, disse: “[…] Tudo nos faltará: talento, eloquência e até erudição, mas nunca o sentimento de justiça; Por isso, é de esperar que a intervenção da mulher no foro seja benéfica e moralizadora, em vez de prejudicial como pensam os portadores de antigos preconceitos.” 

Myrthe nasceu em 1875, entrou no curso de Direito mesmo a desgosto de sua família, defendia a mulher em posições relevantes no Brasil, inspirando-se em outros países que vinham fazendo esse movimento. Somente em 1906 conseguiu ingressar no quadro do Instituto dos Advogados do Brasil, sendo que conquistou o diploma de Bacharel em 1898. 50 anos mais tarde, temos a catarinense Thereza Grisólia Tang como a primeira magistrada do Brasil e 46 anos depois chegou Ellen Gracie como a primeira mulher a ocupar o cargo de ministra do STF. 

Seja pelo Brasil ou entre os estados, a luta é atemporal. Aqui no Rio Grande do Sul temos Maria Berenice Dias, desembargadora aposentada e pioneira no quadro feminino de magistrados do estado. Durante suas 7 décadas de vida, acumulou dezenas de obras e é fundadora do Instituto Brasileiro do Direito de Família (IBDFAM). Ou seja, não é competência ou conhecimento o motivo dessas diferenças, atrasos e discrepâncias, mas sim uma exclusão social e histórica de uma figura marcante em termos coletivos, que por muito tempo foi limitada como a dona do lar. Contudo, os números, a história e as vozes estão aí para mostrar que a mulher pode estar onde quiser.