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Caso Americanas: Efeito Cascata

Por Maite Schmitt

No último mês, o Brasil vem acompanhando o desdobramento do caso das Americanas. O fato veio à tona em 11 de janeiro de 2023, quando a empresa divulgou que havia “inconsistências contábeis” no valor de R$ 20 bilhões nos balanços de 2022 e de anos anteriores. A notícia pegou o mercado de surpresa.

Com essa notícia, os maiores credores da Americanas, ou seja, os Bancos, começaram a requerer os vencimentos antecipados das dívidas, fenômeno contratual que possibilita ao credor exigir o cumprimento integral da obrigação de forma imediata.

O Grupo Americanas, em 13 de janeiro de 2023 ingressou no Poder Judiciário do Rio de Janeiro, com um pedido de Tutela de Urgência Cautelar, preparatória ao processo de recuperação judicial, buscando a suspensão dos efeitos de toda e qualquer cláusula contratual que preveja o vencimento antecipado das dívidas, bem como, a suspensão de qualquer arresto, penhora, sequestro, busca e apreensão e constrição sobre os bens, sob o fundamento de que seria essencial para a manutenção da atividade empresarial por parte da empresa. O juiz da 4ª Vara Empresarial do Rio de Janeiro proferiu decisão concedendo o pedido de tutela cautelar, suspendendo qualquer possibilidade de bloqueio ou sequestro de bens por um período de 30 dias, e determinando a imediata restituição de todo e qualquer valor que os credores eventualmente tivessem compensado, retido e/ou se apropriado.

Em 19 de janeiro, o Grupo Americanas, apresentou o pedido de recuperação judicial, declarando como valor total da dívida a quantia de R$ 43 bilhões. Com isso, a Recuperação Judicial da Americanas se torna a quarta maior  da história do Brasil, ficando atrás apenas dos processos de recuperação judicial da Odebrecht, que foi iniciada com dívidas no montante de R$ 80 bilhões, da empresa Oi, com R$ 65 bilhões, e da Samarco, com R$ 55 bilhões. O pedido de processamento da recuperação judicial das Americanas foi deferido, estando o processo aguardando neste momento, a apresentação do Plano de Recuperação Judicial pela Americanas, ou seja, como a recuperanda pretende se reerguer, quais medidas, detalhadamente e comprovadamente (através de laudos técnicos), pretende propor aos credores, demonstrando como irá soerguer a empresa, e pagar aos mesmos.

No final de janeiro, o Judiciário aceitou o pedido de investigação de fraude pelo Bradesco, para busca e apreensão de provas contra a Americanas. O banco terá acesso a troca de e-mails de diretores, conselheiros e empregados dos últimos dez anos. Outros bancos, como Itaú e Santander, bem como inúmeros sindicatos trabalhistas, também protocolaram ações separadas para tentar a responsabilização dos envolvidos, incluindo acionistas de referência.

E a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) abriu dois inquéritos administrativos para investigar o uso de informações privilegiadas (insider trading), bem como as irregularidades das inconsistências contábeis. Também abriu dois procedimentos para analisar se houve irregularidades na conduta da prestação de serviços de auditoria pelas empresas KPMG e PwC, entre os anos 2017 e 2022.

Em fevereiro, ocorreu uma reunião do Grupo Americanas com os representantes dos Bancos, que resultou frustrada. Fora apresentada, entre outros itens, proposta de capitalização de R$ 7 bilhões a ser feita pelos acionistas de referência (Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Carlos Alberto Sicupira), muito abaixo dos R$ 15 bilhões esperados pelos Bancos como o mínimo necessário para negociação.

Sem dúvidas, esse caso está gerando, e ainda gerará, muito mais consequências com reflexos em toda sociedade brasileira e quiçá, mundial, em decorrência da confusão contábil publicizada, com a sequencial recuperação judicial requerida, e os atuais desdobramentos. A partir disso,  trazemos os seguintes questionamentos.

Depois que caso da Americanas veio à tona, o mercado entendeu que outras grandes marcas também estão com problemas de crédito, preocupando gestores no curto prazo. Ainda, a varejista promovia a abertura de novas empresas, bem como, a manutenção das atividades empresariais de outras inúmeras sociedades que eram suas fornecedoras exclusivas. Já se refletiu no provável efeito cascata que ocorrerá? Na quantidade de novas recuperações judiciais que serão apresentadas ao Poder Judiciário, por estas empresas e fornecedores que dependiam exclusivamente da Americanas?

Como ficam os milhares de consumidores que compraram e ainda estão comprando, física e virtualmente, em caso de eventual quebra da Americanas? E os empregados, haverá a tão temida demissão em massa dessas também milhares de pessoas que sobrevivem da contraprestação fornecida pela recuperanda?

Como não fora encontrado o rombo contábil apresentado, considerando que a recuperanda é uma sociedade com regulação pela Comissão de Valores Mobiliários – CVM, que deveria fiscalizar e exigir cumprimento de requisitos fortíssimos nas auditorias apresentadas, nos termos das resoluções e legislação específicas?

Considerando que a Lei das Sociedades Anônimas prevê que os acionistas devem responder pelas perdas e danos que seus atos provocarem à companhia, aos demais acionistas ou a terceiros, somente em caso de abuso de poder de controle e abuso de poder voto. Qual a responsabilidade dos acionistas de referência (Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Carlos Alberto Sicupira)? Ou melhor, eles serão responsabilizados?

Como ficam os acionistas frente às condutas indevidas dos administradores e/ou participação e omissão indevida dos controladores?

Por fim, o instituto da recuperação judicial deveria ser utilizado de forma igualitária para uma empresa que possa ter cometido um crime ou uma fraude em relação a seus credores e para uma empresa que fora atingida por causas aleatórias, como aumento da taxa de juros, afetando diretamente o caixa destas sociedades que trabalham em cima dos empréstimos bancários? reformulação da legislação societária. Segundo ele, as mudanças devem conceder mais direitos a acionistas minoritários, afetados pela gestão dos administradores e controladores.

Concluindo, vemos que a legislação não traz todas as respostas, sobrepondo-se, obrigatoriamente, novos debates, a partir deste emblemática e vultuoso caso, que atingirá toda sociedade brasileira, em todos os níveis. Como sabemos, a lei precisa ser pautada pelos acontecimentos empresariais que vão surgindo, assim como ocorre nas demais legislações ordinárias, a exemplo do Código Civil e do Código Penal, estando premente alterações nas leis societária e recuperacional.