Contratos Eletrônicos: validade e força probante.
A partir da globalização e da disseminação do uso da internet, aliado ao atual momento que estamos vivendo de quarentena e isolamento social, em decorrência da pandemia do COVID-19, os temas de inovação e desenvolvimento tecnológico tornaram-se um ainda mais relevantes, pela necessidade real de uso entre as partes, na esfera pessoal e profissional, mas também, em todos os ramos e setores da econômica, que não pode parar de funcionar. Dito isso, novos rumos foram e ainda estão sendo estabelecidos no campo contratual.
Nas palavras de Peixoto¹, é possível conceituar o contrato eletrônico como “aquilo que não é físico, porém, fixou-se seu significado à Internet. Toda aquisição, trabalho realizado, serviço ou recurso obtido através da Internet diz-se realizado no mundo virtual.”
Vale mencionar o registro trazido pelo professor Fábio Ulhoa Coelho² sobre o tema:
Em razão de registrar o encontro de vontades dos contratantes em meio magnético, o contrato eletrônico (contrato-e) suscita algumas questões jurídicas próprias. Elas estão relacionadas à questão da segurança em relação à identidade das partes, ao momento e lugar da formação do vínculo e ao conteúdo do contrato. Os profissionais do direito acostumaram-se de tal modo a manusear o instrumento contratual impresso em papel (contrato-p) que desconfiam do novo suporte, de sua aptidão para atender aos reclamos da segurança jurídica. Essa desconfiança tende a diminuir com o aprimoramento das duas tecnologias envolvidas: a de processamento de dados e a jurídica.
Patrícia Peck³ ensina que não há mais que se discutir a validade do contrato eletrônico, visto que este entendimento já está pacificado e vem sendo tratado no âmbito internacional desde 1996, com as discussões da Lei Modelo UNCITRAL⁴, que em seu art.º 5 disse o seguinte: “Não se negarão efeitos jurídicos, validade ou eficácia à informação apenas porque esteja na forma de mensagem eletrônica”.
Para a interpretação dos instrumentos eletrônicos, não se pode excluir a utilização dos princípios da teoria clássica contratual (boa-fé, autonomia das partes, consensualismo, etc.), porém, estuda-se a aplicação de princípios específicos, que possam reger a relação com mais proximidade, os quais foram formulados pela Comissão de Direito Comercial Internacional da Organização das Nações Unidas, quando tratou da Lei Modelo, sendo os principais citados pela Doutrina: a) Princípio da Equivalência Funcional dos atos jurídicos produzidos em meios eletrônicos com os atos jurídicos tradicionais; b) Princípio da Inalterabilidade, no que tange ao direito existente sobre obrigações e contratos; c) Princípio da Identificação, o qual dispõe que as partes que celebram um contrato eletrônico devem estar devidamente identificadas, de modo que ambas saibam com quem estão lidando; e, d) o Princípio da Neutralidade tecnológica das disposições reguladoras do comércio eletrônico.
Outro aspecto interessante nos contratos eletrônicos ocorre com relação aos meios probatórios. Patrícia Peck⁵, nesse ponto, leciona que uma das questões que mais se discutem em matéria de contratos digitais é a da força probante no tocante à autoria (autenticidade). No Brasil, ainda inexistem regras jurídicas específicas a respeito desta questão, mas também não há nada que impeça a admissibilidade do documento eletrônico como meio de prova.
Logo, para que os documentos produzidos em meio eletrônico se revistam de inquestionável eficácia, devem ser cumpridos requisitos próprios ao meio onde foi gerado, voltados à utilização de arquivos digitais: autenticação, integridade, confidencialidade, disponibilidade e impedimento de rejeição. A identificação consiste na verificação da identidade do agente; pela autenticação, a assinatura do signatário é validada por autoridade certificadora.
A Medida Provisória 2.200/01 instituiu a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira – ICPBrasil, garante a autenticidade, a integridade e a validade jurídica de documentos em forma eletrônica produzidos com a utilização de processo de certificação disponibilizado pela ICP-Brasil, os quais presumem-se verdadeiros em relação aos signatários. O tema foi posteriormente objeto da Lei nº 12.682/12, que dispôs sobre a elaboração e o arquivamento de documentos em meios eletromagnéticos, determinando que o processo de digitalização seja realizado com o emprego de certificado digital. Mais recentemente, a Lei nº 13.874/19, popularizada como Lei da Liberdade Econômica, dispensou inclusive a exigência de guarda do documento físico original, assegurando que o documento digital e a sua reprodução, em qualquer meio, realizada de acordo com o disposto nessa lei, terão o mesmo valor probatório do documento original.
No julgamento do Recurso Especial no 1.495.920/DF, de relatoria do Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, em 15 de maio de 2018, o STJ entendeu pela possibilidade de um contrato assinado de forma eletrônica, apenas pelas partes, ser considerado título executivo extrajudicial, retirando, portanto, a necessidade de assinatura de duas testemunhas. Uma vez que a assinatura eletrônica agrega aos contratos autenticidade e integridade, seria desnecessária a assinatura das testemunhas. Recurso Especial no 1.495.920/DF, de relatoria do Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, em 15 de maio de 2018.
As relações humanas desenvolvem-se, e, constantemente, precisam adequar se ao momento histórico que vivenciam. O Direito, sendo uma ciência social, deve acompanhar esse movimento, sob pena de ficar inútil ao fim a que se presta, como ocorre desde os primórdios. O contrato é um exemplo da evolução da sociedade. Em sua forma clássica, é realizado “ao vivo”, ou seja, estabelecendo-se contato direto entre as partes. Em determinadas sociedades e costumes, o contrato era formalizado com um simples aperto de mãos ou gestos simples. Após a invenção da escrita, o contrato passou a ser firmado em papel, assinado pelas partes e duas testemunhas a fim de que evitasse questionamento quanto a validade e eficácia do instrumento.
Com o avanço da tecnologia e das relações comerciais, a nova modalidade de negociação exige contratos que se adequem à nova realidade. Sem uma legislação específica para os contratos realizados por meio eletrônico, questiona-se como estabelecer o vínculo contratual entre partes que estão distantes, até mesmo em continentes diferentes, regidos por institutos jurídicos diversos. Certo é que a força probante dos contratos digitais continua sendo o ponto mais debatido no meio jurídico, onde segue se aguardando decisões atualizadas e definitivas, com força vinculante, oriunda dos Tribunais Superiores, e, posteriormente, uma legislação assertiva sobre o tema.
¹ PEIXOTO, Roney de Castro. O comércio eletrônico e os contratos. Rio de Janeiro: Forense, 2001, pag.06.
² COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial. Direito de empresa. v.3, 11.ed. – São Paulo: Saraiva, 2010, pag. 38.
³ PINHEIRO, Patrícia Peck. Direito Digital. 6. ed. rev., atual. e ampl.- São Paulo: Saraiva, 2016, pag. 536.
⁴ Disponível em: <http://www.lawinter.com/1uncitrallawinter.htm>. Acesso em: 14 dez. 2020.
⁵ PINHEIRO, Patrícia Peck. Direito Digital. 6. ed. rev., atual. e ampl.- São Paulo: Saraiva, 2016, pag. 540.