Da não incidência do Código de Defesa do Consumidor aos contratos de compra e venda de imóvel com garantia de alienação fiduciária
Por Fernanda Petry de Abreu Souza
Em recente julgado[1], a Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, firmou a seguinte tese, intitulada Tema 1095, “Em contrato de compra e venda de imóvel com garantia de alienação fiduciária devidamente registrado em cartório, a resolução do pacto, na hipótese de inadimplemento do devedor, devidamente constituído em mora, deverá observar a forma prevista na Lei nº 9.514/97, por se tratar de legislação específica, afastando-se, por conseguinte, a aplicação do Código de Defesa do Consumidor”.
Originariamente, a parte autora ajuizou ação judicial pretendendo a devolução dos valores pagos para a aquisição de uma unidade habitacional, cujo contrato de compra e venda foi celebrado com pacto adjeto de alienação fiduciária. Em face de dificuldades financeiras enfrentadas, o comprador não pagou as parcelas pactuadas, motivo pelo qual o credor fiduciário retomou o imóvel. Diante desta tomada, a parte buscava a devolução dos valores pagos, embasando tal pleito, mormente, no Código de Defesa do Consumidor.
Em primeiro grau, a ação fora julgada improcedente. No entanto, em segundo grau, o julgamento foi revertido para julgar parcialmente procedente o pleito autoral. Irresignada, a parte vencida interpôs recurso ao Superior Tribunal de Justiça.
Considerando a importância da temática e a possibilidade de decisões conflitantes[2] pelos tribunais de origem, o Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, Presidente da Comissão Gestora de Precedentes, deliberou de maneira positiva sobre a afetação do tema abordado no Recurso Especial sob o rito dos recursos repetitivos.
Até o julgamento em cotejo, os tribunais de origem oscilavam, ora decidindo amparando-se no Código de Defesa do Consumidor, ora enraizando-se na Lei nº 9.514/1997, que instituiu o Sistema de Financiamento Imobiliário – SFI, com o escopo de promover o financiamento imobiliário em geral.
Por certo que com o afastamento da incidência do Código de Defesa do Consumidor aos contratos de compra e venda de imóvel com garantia de alienação fiduciária, não haverá mais possibilidade de o devedor, outrora comprador, reaver os valores pagos pelo imóvel que fora tomado pelo credor fiduciário.
Em outras palavras, havendo inadimplência, constituição em mora do devedor, a resolução do contrato de compra e venda com garantia de alienação fiduciária dar-se-á pelas normas preconizadas na Lei Especial nº 9.514/1997. Isto é, o vencimento da dívida e a ausência de pagamento consolida a propriedade do imóvel em nome do credor fiduciário.
No entanto, o Superior Tribunal de Justiça também assentou no julgamento uma condição para atrair a aplicação da Lei nº 9.514/1997, qual seja, que o contrato de alienação fiduciária esteja obrigatoriamente registrado no competente Registro de Imóveis.
Diante disso, é importante que os compradores interessados, a partir desta nova orientação do Superior Tribunal de Justiça antes de firmarem os contratos de compra e venda de imóveis, tenham muita cautela ao que está disposto nas cláusulas contratuais, e à possibilidade real de cumpri-las na íntegra, pois com o afastamento da incidência do Código de Defesa do Consumidor a estas relações, também se rechaça a revisão das cláusulas com supedâneo no argumento de onerosidade excessiva a uma das partes.
Ou seja, agora, comprador e vendedor, em contrato com garantia de alienação fiduciária, serão vistos sob o mesmo patamar, sendo-lhe garantidos direitos e deveres recíprocos, não se podendo falar mais em hipossuficiência do comprador, outrora considerado consumidor.
[1] Recurso Especial nº 1891498.
[2] Considerando que, em pesquisa do Núcleo de Gerenciamento de Precedentes, existente na Segunda Seção do STJ 240 processos sobre a temática, além de outros 279 casos semelhantes que já foram julgados.