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Entendendo o Compliance no Brasil

Maurício Sant’Anna dos Reis

Nos últimos anos, ainda por influência da Operação Lava Jato, o Brasil tem acompanhado uma série de ações repressivas contra a corrupção. Essas ações se amparam em uma série de leis aprovadas a partir de 2012, das quais, ainda que indiretamente, podemos destacar A Lei Empresa Limpa (Lei n.º 12.846/2013) e seu Decreto Regulamentador (Decreto n.º 8.420/2015). Esses diplomas legais não foram os primeiros a trazer o tema do Compliance para o ordenamento jurídico brasileiro[1], contudo foram responsáveis por sua maior explicitação.

Atento a esse movimento, o mercado passou a oferecer soluções às empresas para adequação à lei. Em muitos casos, todavia, o maior enfoque no Compliance está na gestão, ou seja, no desenvolvimento organizacional de uma cultura ética. Ainda que os códigos de ética das empresas seja importantes pontos de partida para o auxílio no enfrentamento à corrupção, não são seus pontos de chegada.

Um programa de Compliance que se queira efetivo evidentemente que iniciará por um código de ética, entretanto, a formulação desse código deve observar e atender aos preceitos da legislação. Em resumo, não basta que se desenvolva uma cultura ética corporativa, como também se mostra necessário que essa cultura ética esteja adequada ao plano legal.

Dessa forma, a empresa ao engendrar seu programa de Compliance, o qual também será chamado pela lei de programa de integridade, deve estar atenta aos preceitos tanto da Lei n.º 12.846/2013, quanto do Decreto n.º 8.420/2015. Para tanto, antes é preciso compreender o funcionamento da Lei e do Decreto.

A primeira característica a ser notada da Lei n.º 12.846/2013 é que ela é declaradamente voltada primeiramente às empresas e, num segundo plano, aos diretores a administradores. O objetivo é evitar que empresas perpetuem práticas ilícitas, o que era possível ocorrer antes de sua promulgação, na medida em que somente os particulares acabavam responsabilizados. Com a sistemática da lei, reconhecendo a responsabilidade objetiva das empresas por ato de corrupção, ou seja, independentemente de demonstração de sua culpa, a lei aumenta as possibilidades de punição, ainda que não se possa comprovar qual colaborador agiu de maneira ilícita. Evidentemente que, sendo possível identificar o responsável caberá também sua responsabilização.

Outra característica da Lei Empresa Limpa é o rol de condutas compreendidas como criminosas. A lei em seu artigo 5º reconhece condutas que já eram punidas anteriormente, e outras que não possuíam legislação específica. Com isso o sentido de corrupção empregado é mais amplo do que o sentido atribuído, por exemplo, pelo Código Penal. A ideia de corrupção na lei aproxima-se mais de uma descrição ética do que criminal, ainda que as penalidades sejam rigorosas. As condutas listadas, portanto, se apuradas poderão ensejar punições tanto no plano administrativo, ou seja, perante a administração pública, quanto judicial.

As punições do campo administrativo previstas pela lei serão aplicadas, no âmbito federal pelo atual Ministério da Transparência – Controladoria Geral da União, no âmbito dos estados e municípios, quando adotarem essas leis, pelo órgão correspondente, de acordo com sua regulamentação[2]. Nesses casos, a punição consistirá em multa no valor entre 0,1% e 20% do faturamento bruto do último exercício anterior à instauração do processo, valores esses que a própria lei indica que não poderão ser inferiores a R$ 6.000,00 (seis mil reais) nem superiores a R$ 60.000.000,00 (sessenta milhões de reais) quando não for possível utilizar o critério do faturamento bruto e/ou publicação extraordinária da decisão que reconhece a prática do ato ilícito.

De seu lado, as punições judiciais poderão ser cumuladas às administrativas acima expostas e consistem, nos termos do art. 19 da lei: (I) em perdimento dos bens, direitos ou valores que representem vantagem ou proveito direta ou indiretamente obtidos da infração, ressalvado o direito do lesado ou de terceiro de boa-fé, (II) suspensão ou interdição parcial de suas atividades, (III) dissolução compulsória da pessoa jurídica e (IV) proibição de receber incentivos, subsídios, subvenções, doações ou empréstimos de órgãos ou entidades públicas e de instituições financeiras públicas ou controladas pelo poder público, pelo prazo mínimo de 1 (um) e máximo de 5 (cinco) anos.

Em resumo, de acordo com a lei o não atendimento de suas orientações poderá culminar, inclusive, no fim da empresa. Além disso, ainda que a lei não seja expressa, ao menos em tese, poderia ser investigada a responsabilidade criminal dos diretores ou administradores da empresa, ampliando-se para muito além do que o ordinário a esfera de incidência do direito penal.

Na mesma medida em que a lei prevê as condutas ilegais e a correspondente punição, prevê também a possibilidade de celebração de acordo de leniência, aqui entendido como mecanismo de colaboração que buscará reduzir o impacto das punições se a empresa celebrante puder prestar informações úteis à administração pública e fazer cessar o ato ilícito. Ainda que previsto na lei, será no Decreto que o acordo será regulamentado.

O Decreto n.º 8.420/2015 prevê a partir do artigo 28 os parâmetros para validação do acordo de leniência. Dentre esses parâmetros está a adoção de um efetivo Programa de Integridade pela empresa, ou seja, um programa de Compliance. Além disso, o Decreto prevê que na aplicação da multa administrativa, a existência de um Programa de Compliance, ainda que não realizado o acordo de leniência, poderá reduzir a multa aplicada. O decreto também fornece os parâmetros para o Programa, de modo que a atenção à legislação novamente se confirma como necessária para que o resultado prático do programa tenha maior efetividade.

Inegavelmente, portanto, o programa de Compliance nos termos da legislação tem uma dupla função: de um previne a prática de atos ilícitos e de outro mitiga a punição.

A função preventiva é desdobramento natural dos procedimentos de autorregulação, uma vez que as empresas terão interesse em aplicar mecanismos de controle que permitam com maior facilidade identificar, diagnosticar e reprimir atos de corrupção praticados por seus colaboradores. De outro lado, caso não obtenha êxito em evitar a prática ilícita, terá o condão de mitigar a punição aplicável, reduzindo multas e impedindo a dissolução da empresa, ou mesmo evitando a responsabilização penal.

Em qualquer cenário, o programa de Compliance dá conhecimento à sociedade e comunidade empresarial do perfil ético da empresa que adora, ampliando sua credibilidade no mercado e a confiança nela depositada.

[1] A reforma operada pela Lei n.º 12.683/2012 na Lei 9.612/1998 (Lei de prevenção à lavagem de dinheiro), por exemplo.

[2] No caso do estado do Rio Grande do sul, por exemplo, a Lei 15.228/2018 prevê em seu art. 10, § 2º que a competência para processamento de condutas ilícitas contra o poder executivo será concorrente entre aa Procuradoria Geral do Estado (PGE) e a Contadoria e Auditoria-Geral do Estado (CAGE).