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Inadimplemento ou sonegação fiscal

Por Maurício Sant’Anna dos Reis

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu no Habeas Corpus 399.109/SC que o não recolhimento ao fisco do ICMS (Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviço) implica em crime. No caso descrito, os réus/empresários alegaram serem eles os sujeitos passivos da obrigação tributária e que, portanto, haveria mero inadimplemento, o que não implicaria em crime.

A discussão aqui está na diferença entre inadimplemento, ou seja, o não pagamento, e a sonegação, ou seja, a fraude para fim de não pagamento. No primeiro caso o sujeito admite o débito tributário, no segundo há clandestinidade. O inadimplemento acarreta ilícito administrativo, passível de cobrança e multa enquanto a sonegação implica em, além disso, crime.

Para o STJ, tendo em vista que o ICMS incidente sobre a circulação da mercadoria ou serviço é repassado ao consumidor final, o inadimplemento acarretaria uma nova espécie de apropriação indébita. Ou seja, a Corte fundiu dois crimes, criando terceiro, o que é vedado pelo princípio da legalidade e da reserva legal.
Além disso, a decisão poderá afetar todos aqueles que devem ICMS hoje.

Existe, portanto, um risco real para que, a partir dessa decisão, os órgãos fiscais passem a considerar crime aquilo que até então não passava de ilícito tributário. Empresários que hoje tem dificuldades em quitar dívidas fiscais passarão a ser considerados criminosos e terão que responder penalmente.

O absurdo que se coloca, portanto, está na invasão da competência do STJ ao criar um crime, atribuição exclusiva do congresso nacional. Cabe ao juiz, neste caso, em observação a categorização clássica, julgar; ao legislador legislar. Quem deveria se por a julgar e, portanto, agir imparcialmente, ao se pôr a legislar, causa perigosa inversão das funções de estado e fragilização da democracia.

Como juristas ou cidadãos devemos ficar atentos.