Inovação e propriedade intelectual de software
Os direitos de propriedade intelectual aparentemente afrontam a inovação, eis que parecem institutos bastante incompatíveis entre si, dada a grande heterogeneidade nas formas de apropriação dos resultados advindos da inovação tecnológica.
Na área de software, a controvérsia sobre as formas de proteção da propriedade intelectual está associada à natureza única dos programas que desempenham funções técnicas por meio de algoritmos. Ao invés de enfatizar o meio físico, o software é intangível e pode ser replicado praticamente sem custos. O software é caro de se produzir e barato de se reproduzir. Por isso, seu preço é fixado de acordo com o valor que o consumidor está disposto a pagar por ele, e não como função direta dos custos de produção¹.
Por programas de computador ou softwares, o artigo 1º da Lei 9.609/1998 que trata da legislação de proteção intelectual de programa de computador, estabelece que:
Programa de computador é a expressão de um conjunto organizado de instruções em linguagem natural ou codificada, contida em suporte físico de qualquer natureza, de emprego necessário em máquinas automáticas de tratamento da informação, dispositivos, instrumentos ou equipamentos periféricos, baseados em técnica digital ou análoga, para fazê-los funcionar de modo e para fins determinados.
O título de propriedade intelectual atribuído internacionalmente ao software é o chamado “direito de autor” ou “copyright”. A natureza jurídica dos direitos de autor, instituiu-se no direito da propriedade incorpórea, imaterial ou intelectual.2 Deste modo, o direito de autor disciplina as relações jurídicas entre o criador, sua obra e seu ofício³.
Paulo Tigre e Felipe Marques mencionam em seu estudo que “Alguns países, entretanto, concedem patentes de invenções relativas a serviços financeiros, vendas eletrônicas, métodos de negócios e publicidade pela Internet que se expressam por meio de programas de computador. A demanda pelo patenteamento de software deve
se ao fato de que o copyright protege apenas as “expressões literais” dos programas de computador. Como o valor do software não está apenas na sua forma, mas também nas “ideias” nele contidas, a patente passa a ser uma forma de apropriação tecnológica mais forte. Ela protege a funcionalidade do programa e não apenas a forma como foi escrito. Em termos práticos, o copyright protege contra a pirataria enquanto as patentes evitam a cópia por concorrentes⁴.
A Constituição Federal de 1988 possui previsão no artigo 5º que atinge a esfera aqui estudada, nos seguintes incisos: XXII- garante o direito de propriedade; IX determina o direito à liberdade da expressão da atividade intelectual, artística e científica e de comunicação, independentemente de censura ou de licença; XIII- fixa o livre exercício de qualquer trabalho; XXIX- aponta o privilégio temporário para a utilização, por parte dos autores, de seus inventos industriais; XXVII- prescreve direito exclusivo de utilização aos autores de obras literárias, artísticas e científicas, sendo esse direito transmissível por herança e pelo tempo que a lei fixar; e, XXVIII, b- o direito de fiscalização do aproveitamento econômico das obras criadas.
Já o Código Civil não regulamenta a matéria sobre os direitos autorais. A Lei nº. 9.610/98 que veio disciplinar o assunto, e já em seu artigo 7º, caput, conceitua as obras intelectuais: “são obras intelectuais protegidas as criações do espírito, expressas por qualquer meio ou fixadas em qualquer suporte, tangível ou intangível, conhecido ou que se invente no futuro (…)”, e no inciso XII está disposto “os programas de computador.”
A Convenção da União de Berna⁵ tratou de estabelecer e reconhecer os direitos de autor entre as nações soberanas e signatárias, tendo como principal objetivo a proteção das obras literárias, artísticas e científicas. Quanto ao tempo de duração do direito autoral em relação aos programas de computador, conforme o acordo firmado na Convenção da União de Berna, disposto em seu artigo 7º, 1, diz que: ” A duração da proteção concedida pela presente Convenção compreende a vida do autor e cinquenta anos depois da sua morte”.
Verifica-se que o prazo estipulado em se tratando de programas de computador é mais do que o suficiente tendo em vista que, a evolução constante na forma de desenvolvimento da linguagem de programação, não permite que os programas fiquem desatualizados por muito tempo. “Nunca o copyright protegeu um leque tão grande de direitos contra um leque tão grande de atores, por um período tão longo.” ⁶
Em conformidade com a Convenção de Berna, os países latino-americanos conferem ao software a proteção autoral concedida às obras literárias. Vários países revisaram recentemente seu marco regulatório referente à propriedade intelectual de forma a se adequar à legislação sugerida pelo acordo TRIPS⁷.
Por fim, conclui-se que a propriedade intelectual é uma medida legal que busca garantir a apropriação tecnológica do software diante dos riscos e dificuldades enfrentados pelos inovadores, atendendo, as legislações e os acordos internacionais. O cuidado com a imposição de limitações excessivas, entretanto, deve permear sempre esse ramo, a fim de evitar que se perca a principal característica do setor, qual seja, a inovação e dinamismo nas invenções tecnológicas.
¹ TIGRE, Paulo Bastos; MARQUES, Felipe Silveira. Apropriação tecnológica na economia do conhecimento: inovação e propriedade intelectual de software na América Latina. Econ. soc., Campinas, v. 18, n. 3, p. 547-566, dez. 2009. Disponível em <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-06182009000300005&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em 18 out. 2020.
² DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro, volume 4: Direito das Coisas. 30ª ed. São Paulo: Saraiva, 2015. Pág. 376.
³ VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: Direitos Reais. Volume 5. 13ª ed. São Paulo: Atlas, 2013. Pág. 627.
⁴ TIGRE, Paulo Bastos; MARQUES, Felipe Silveira. Apropriação tecnológica na economia do conhecimento: inovação e propriedade intelectual de software na América Latina. Econ. soc., Campinas, v. 18, n. 3, p. 547-566, dez. 2009. Disponível em <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-06182009000300005&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em 18 out. 2020.
⁵ Berna Convention for the Protection of Literary and Artistic Works. World Intellectual Property Organization. Disponível em: <http://www.unesco.org/culture/natlaws/media/pdf/bresil/brazil_conv_berna_09_09_1886_por_orof.pdf> Acesso em: 18 out. 2020.
⁶ CANALLI, Rodrigo Lobo. A Regulação Jurídica do Software pelo Direito Autoral: elementos históricos e filosóficos para uma análise crítica. Programa de Pós Graduação em Direito da Universidade de Brasília. Disponível em: http://repositorio.unb.br/bitstream/10482/8590/1/2010_RodrigoLoboCanalli.pdf>. Acesso em: 18 de outubro de 2020. Pág. 62.
⁷ TIGRE, Paulo Bastos; MARQUES, Felipe Silveira. Apropriação tecnológica na economia do conhecimento: inovação e propriedade intelectual de software na América Latina. Econ. soc., Campinas, v. 18, n. 3, p. 547-566, dez. 2009. Disponível em <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-06182009000300005&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em 18 out. 2020.